Aumento de casos de burnout e assédio desafia a Justiça do Trabalho
A Síndrome de Burnout, também conhecida como Síndrome do Esgotamento Profissional, é um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho crônico e desgastante. Reconhecida pela Organização Mundial da Saúde como uma doença relacionada às condições de trabalho, a síndrome transita hoje tanto na área médica quanto na legal.
O burnout é reconhecido pela Justiça do Trabalho brasileira como uma doença ocupacional, equiparada a acidente de trabalho. As decisões têm responsabilizado o empregador quando é comprovado o nexo causal entre a doença e as condições de trabalho. A responsabilidade da empresa geralmente se configura pela ausência de um meio ambiente de trabalho seguro e saudável, manifestada por jornadas de trabalho excessivas e sobrecarga de tarefas; cobrança de metas abusivas; assédio moral ou outras formas de pressão psicológica extrema.
Agrupados sob a denominação de “responsabilidade civil do empregador” na tabela de assuntos processuais do CNJ, todos estes temas que configuram ou contribuem para o burnout, somaram mais de 1,5 milhão de casos em 2024 e já aparecem em quinto lugar no ranking de maiores demandas da Justiça do Trabalho.
A visão de juízes consultados pelo Anuário da Justiça é de que há um duplo desafio no futuro próximo: o aumento de casos na área trabalhista, visto nos últimos anos, tem sido impulsionado por temas cada vez mais complexos, que exigem maior tempo de análise de provas e que ainda não têm jurisprudência uniforme.
O nome formal do burnout (síndrome do esgotamento profissional) ajuda a entender suas causas e sintomas principais: motivado por excesso de trabalho ou situações de trabalho desgastante, que demandam muita competitividade ou responsabilidade (e por isso, muito comum em profissões com demandas, metas e responsabilidades constantes), o distúrbio emocional gera uma série de sintomas como exaustão extrema, estresse e esgotamento físico. Se não tratado, pode evoluir para um quadro de depressão clínica.
O debate sobre burnout passou à ordem do dia nas empresas com a primeira norma, editada pelo Ministério do Trabalho e do Emprego, a tratar do tema no país. Um novo trecho da Norma Regulamentadora 1 (NR-1), principal dispositivo sobre segurança no ambiente de trabalho, deve entrar em vigor cobrando maior atenção de empregadores com “fatores de risco psicossociais relacionados ao trabalho”, colocando a questão como semelhante a um risco químico ou biológico. A proposta, apresentada em 2024, deveria entrar em vigor em 2025, mas sua vigência foi adiada para 2026.
Os tribunais ainda lutam para entender o tema: entre 2024 e 2025, o Tribunal Superior do Trabalho publicou 89 acórdãos que tratam de afastamento por este motivo. Em setembro de 2025, a Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-II) determinou o retorno de um caso para a primeira instância e a reabertura de prazo para a juntada de provas — a decisão não colocou em xeque, em nenhum momento, o diagnóstico da síndrome. “Ressalte-se que a síndrome de burnout decorre de um esgotamento profissional, tendo o então reclamante sustentado ter sofrido cobranças indevidas e assédio moral como indicativo da doença e da existência de nexo causal”, escreveu o relator, ministro José Dezena da Silva.
Em outro caso, envolvendo um hospital e uma médica, a 6ª Turma concluiu que a responsabilidade civil da empregadora pode decorrer da simples relação de causalidade entre o trabalho e o burnout, independentemente da comprovação de dolo ou negligência. No acórdão, foi mantido o direito a indenização por danos morais e materiais à ex-empregada que contraiu covid-19 no ambiente de trabalho no início da pandemia, em 2020, fato que agravou o burnout.
Nos tribunais regionais, o tema também é uma realidade concreta. “Muitas vezes, a percepção do trabalhador é de que o tempo de trabalho e o tempo de não trabalho se confundem. Quando esse desgaste se torna evidente, surgem as ações judiciais”, diz Ana Paula Lockmann, presidente do TRT15, com sede em Campinas (SP). Ela continua: “Hoje, aplicativos de mensagens e outras ferramentas tecnológicas diluíram as fronteiras entre o horário de expediente e o tempo de descanso. A expectativa de disponibilidade constante, seja para responder a mensagens de trabalho à noite, em fins de semana ou nas férias, coloca em pauta debates sobre horas extras, adicional noturno, intervalo intrajornada e situações de sobreaviso.”
Ricardo Hofmeister, presidente do TRT da 4ª Região (RS), lembra que o burnout normalmente vem aliado a questões igualmente complexas sob responsabilidade das cortes. “O tribunal tem se deparado com temas ligados ao assédio sexual e ao assédio moral nas relações de trabalho, bem como com acidentes e doenças ocupacionais. São temas especialmente caros, porque transcendem a esfera de proteção patrimonial, violando a integridade física e a integridade psicológica de trabalhadores e trabalhadoras”, explicou.
Preocupação similar é vista na 9ª Região, no Paraná. “As ações trabalhistas estão cada vez mais difíceis e complexas de serem analisadas, porque a matéria é muito mais delicada hoje em dia do que era no passado”, disse o presidente Célio Horst Waldraff. “É muito peculiar da época que estamos vivendo.”
Para o desembargador, a complexidade nesses temas se dá porque todos os casos envolvem questões fáticas específicas. “É preciso saber o fato por trás disso — se este fato está por trás do poder disciplinar e diretivo do empregador, ou se está se exagerando no exercício desse poder e se comete assédio por parte de quem emprega.”
As denúncias de assédio moral e sexual em ambiente de trabalho já têm jurisprudência e material crítico mais sólido que em relação à síndrome de esgotamento profissional. O TST definiu, ainda em 2013, a competência da Justiça do Trabalho para o tema, por meio da Súmula 392, além de ter duas cartilhas sobre o tema (os TRTs também publicam conteúdo próprio sobre a questão).
JURISPRUDÊNCIA
DANO MORAL
Afastamento por Síndrome de Burnout pode motivar indenização por dano moral?
A favor do empregador: —
A favor do trabalhador: TST, TRT-2/SP e TRT-15/Campinas, SP
De acordo com tribunais como o TRT-15, com sede em Campinas (SP), a indenização é cabível quando o ambiente de trabalho contribui para o desenvolvimento da doença, ainda que não tenha deflagrado e agravado a moléstia psiquiátrica de forma exclusiva. A 2ª Região também decidiu que “o fato de adquirir a doença ocupacional na empresa, por conta do labor executado, por si só, gera dano à personalidade, o que enseja reparo indenizatório”. O TST já definiu que recursos contra o pagamento de indenizações por síndrome de burnout, quando fundamentadas e razoáveis em seu valor, não têm transcendência para serem analisadas pela corte.
Uso de técnicas motivacionais, como “gritos de guerra”, podem ser considerados assédio moral?
A favor do empregador: —
A favor do trabalhador: TST, TRT-4/RS e TRT-9/PR
O TST tem decisões reiteradas de que a sujeição do trabalhador a essas formas de programa motivacional viola os direitos da personalidade, ensejando, inclusive, condenação ao pagamento de indenização por danos morais. Ao analisar o caso envolvendo uma rede de supermercados que tinha uma cultura de cânticos que deveriam ser entoados em conjunto — em certas ocasiões até em frente a clientes — os ministros entenderam que a caracterização de assédio moral só existe quando a participação é obrigatória no ritual. Quando isso fica comprovado, é também cabível a indenização individual por danos morais.
Expor publicamente faltas e atrasos dos empregados pode ser configurado como assédio moral?
A favor do empregador: —
A favor do trabalhador: TST
A 2ª Turma do TST condenou a pagar indenização por assédio moral organizacional empresa que publicou em quadros a quantidade de trabalhadores atrasados ou que faltaram. Segundo o colegiado, a conduta é conhecida como “gestão por estresse” e impede o bem-estar individual no ambiente de trabalho. De acordo com a relatora, Maria Helena Mallmann, “o procedimento adotado pela reclamada acaba não observando o princípio da dignidade da pessoa humana, a inviolabilidade psíquica e do bem-estar individual dentro do ambiente de trabalho, o qual deve proporcionar tranquilidade e conforto psíquico ao empregado para o exercício do seu labor”.
Processo analisado: RR-11480-43.2019.5.15.0138
ASSÉDIO SEXUAL
Palavra da vítima tem peso especial em acusações de assédio sexual?
A favor do empregador: TRT-8/PA-AP
A favor do trabalhador: TST, TRT-4/RS e TRT-6/PE
Protocolo do STJ estabelece que a palavra da vítima tem especial relevância em delitos sexuais, desde que esteja em consonância com outras provas. A Justiça do Trabalho concorda. “O Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero fundamenta novas premissas para a análise de casos de assédio sexual no trabalho, permitindo conferir peso diferenciado ao testemunho da vítima. Assim, quando o contexto probatório não evidencia o contrário, a palavra da mulher que sofre o assédio sexual se constitui em elemento suficiente para o reconhecimento dos fatos”, escreveu a desembargadora Rejane Souza Pedra, em decisão pelo TRT-4/RS.
É possível garantir estabilidade provisória mesmo que o afastamento não tenha sido superior a 15 dias e nem tenha havido o pagamento de auxílio-doença acidentário?
A favor do empregador: —
A favor do trabalhador: TST; TRT-4/RS; TRT-7/CE; TRT-18/GO
A 3ª Turma do TRT-18, de Goiás, entendeu que o afastamento superior a 15 dias e o recebimento do auxílio-doença acidentário não são requisitos indispensáveis quando o nexo de causalidade ou concausalidade entre a doença e o trabalho é reconhecido. O colegiado sustentou a sua decisão sobre a Súmula 378, II, do TST. Na corte superior, os ministros tendem a reverter julgamentos de segundo grau quando tal posicionamento não é seguido pelos desembargadores que analisam o caso.
E-mails são prova válida para ação monitória, decide TJ-MT
A ação monitória não exige apresentação de título executivo formal, bastando conjunto documental, como e-mails, boletos e notas fiscais.
Com esse entendimento, a 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso manteve a decisão de primeira instância que permitiu que uma dívida de R$ 354 mil fosse cobrada de uma distribuidora de produtos hospitalares.
FreepikJuíza explicou que decreto que disciplinou o conceito de mínimo existencial para caracterizar superendividamento não inclui consignado
TJ-MT reforçou jurisprudência no sentido de que e-mails podem ser aceitos como provas em ações monitórias
O caso teve origem em uma ação monitória, procedimento judicial que tem como objetivo transformar documentos escritos em título executivo de dívida, permitindo ao credor executar o devedor.
A empresa fornecedora, autora da ação, buscava o direito de cobrar o pagamento dos produtos que forneceu, comprovando a transação por meio de notas fiscais, boletos, registros de protesto e trocas de e-mails.
A distribuidora alegava que a cobrança era indevida e sustentou que não havia prova de entrega dos produtos. Argumentou ainda que a planilha apresentada pela credora não detalhava adequadamente os cálculos da dívida.
Pendência demonstrada
Ao analisar o recurso da devedora, a relatora, juíza convocada Tatiane Colombo, ressaltou que a ação monitória não exige a apresentação de título executivo formal, bastando que o conjunto documental permita ao juiz formar “um juízo de verossimilhança” sobre o crédito. Segundo ela, as notas fiscais, boletos e e-mails de cobrança juntados aos autos demonstraram a relação comercial entre as partes e a falta de pagamento.
Um dos pontos decisivos foi justamente um e-mail enviado por uma funcionária da própria devedora, no qual reconhece as dívidas com a fornecedora. Para a juíza, a prova “fortalece a convicção acerca do efetivo fornecimento dos produtos e do inadimplemento da obrigação”.
A decisão, unânime, reforça entendimento consolidado na jurisprudência de que e-mails e comunicações eletrônicas podem ser aceitos como prova escrita válida em ações de cobrança, desde que mostrem de forma clara a origem da dívida e o reconhecimento da obrigação. Com informações da assessoria de imprensa do TJ-MT._
Exclusividade da PGR gera críticas, mas há consenso sobre mudança na Lei de Impeachment
Constitucionalistas entrevistados pela revista eletrônica Consultor Jurídico avaliam que a Lei de Impeachment (Lei 1.079/1950) precisa de revisão para dar segurança institucional ao Supremo Tribunal Federal.
Os juristas divergem, contudo, sobre o trecho da decisão do ministro Gilmar Mendes que dá competência exclusiva à Procuradoria-Geral da República para denunciar integrantes do STF por crimes de responsabilidade. A medida cautelar, publicada nesta quarta-feira (3/12), ainda será analisada pelo Plenário do Supremo, em julgamento virtual de 12 a 19 deste mês.
Luiz Silveira / STF
Constitucionalistas criticaram exclusividade da PGR, mas concordam que Lei de Impeachment precisa mudar
A decisão de Gilmar, que é contestada pelo Senado e pela Advocacia-Geral da União, modifica a interpretação de vários trechos da Lei de Impeachment. O ministro defende a suspensão da expressão “a todo cidadão” do artigo 41 da Lei 1.079/1950, que permite a qualquer pessoa pedir o afastamento de membros da corte.
Parte dos especialistas consultados pela ConJur se opõe a essa restrição. Eles argumentam que a exclusividade da PGR enfraquece a legitimidade democrática do Supremo em relação ao povo, que é a fonte de onde emana o poder, segundo a Constituição.
“Eu não vejo, em princípio, nenhum motivo constitucional para reduzir essa competência ao PGR. O impeachment é um procedimento democrático em que há uma ampla possibilidade de se solicitar. Mas é certo que a Lei de Impeachment precisa ser examinada para se adequar à Constituição”, sintetiza o constitucionalista Pedro Serrano, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
“Ao prever que qualquer cidadão pode denunciar, esse artigo da Lei de Impeachment vai ao encontro do Estado Democrático de Direito. Então me parece que é plenamente constitucional”, avalia a advogada Vera Chemim, especialista em Direito Constitucional e mestre em Administração Pública pela FGV de São Paulo.
Para outros estudiosos, porém, a possibilidade de que ministros do STF sejam alvos de pedidos de impedimento sem lastro técnico abre margem para perseguições políticas.
“A Lei do Impeachment deve ter seu sentido continuamente atualizado, de modo a ser lida à luz da realidade brasileira contemporânea, marcada pela emergência de impulsos de populismo autoritário que transformaram o Supremo Tribunal Federal em bode expiatório dos problemas nacionais, convertendo-o em um inimigo público ficcional”, aponta Georges Abboud, também professor da PUC-SP.
Trâmite no Senado
Apesar da controvérsia sobre a competência da PGR, outros pontos da decisão de Gilmar têm apoio amplo entre os constitucionalistas. O principal deles é o que passa a exigir maioria qualificada de dois terços do Senado para que a denúncia contra um ministro do STF seja recebida e, posteriormente, julgada procedente pelo plenário da Casa. Hoje, as duas etapas exigem apenas maioria simples — mais da metade dos presentes à sessão — como preveem os artigos 47 e 54 da lei.
Os especialistas apontam, também, que Gilmar acerta em afastar interpretações que permitem punir os magistrados pelo mérito de suas decisões. Segundo o artigo 39 da lei, um ministro do STF pode sofrer impeachment por “ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo”, ou por “proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções”.
“Esses dispositivos são subjetivos e estão sujeitos a ampla discricionariedade. Ao permitir um impeachment de ministro do STF sob essas premissas, a lei abre margem para que esse instrumento seja politizado para atacar o conteúdo material de uma decisão do Supremo”, avalia Ingrid Dantas, doutora em Direito pela Universidade de Brasília e professora de Direito Constitucional.
Contexto político
A discussão sobre a atualização da Lei do Impeachment não é inédita. O STF já havia revisado pontos da norma na ADPF 378, julgada em dezembro de 2015, que tratou do rito aplicável ao Presidente da República. O STF definiu, na ocasião, que o Senado teria competência para instaurar ou não o processo de impedimento, depois da autorização da Câmara, e que a admissibilidade exigia apenas maioria simples — dispositivo que agora foi derrubado por Gilmar.
Ao tomar a decisão atual, no âmbito das ADPFs 1.259 e 1.260, Gilmar avaliou que o aval de apresentação de denúncia “a todo cidadão” viabiliza a criação de um ambiente propício à “proliferação de denúncias motivadas por interesses político-partidários, desprovidas do rigor técnico necessário para uma acusação legítima”.
“Esse cenário expõe os membros dos Tribunais Superiores a constantes riscos de serem alvos de processos de impeachment baseados em discordâncias políticas ou em divergências interpretativas legítimas, convertendo o legítimo instrumento do impeachment em um meio de propagação do arbítrio pela intimidação e retaliação política”, justificou o ministro na decisão.
O panorama exposto por Gilmar tem lastro nos movimentos atuais do Congresso. Aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) assumem abertamente o objetivo de ampliar a base da oposição no Senado, nas eleições de 2026, para formar quórum suficiente e pautar o impeachment de ministros do STF, em especial de Alexandre de Moraes.
Para Gilmar, a mera ameaça de impeachment pode funcionar como um “mecanismo eficaz para constranger membros do Poder Judiciário”. Portanto, a restrição da competência ao PGR é um “filtro rigoroso” para garantir a seriedade e o rigor técnico do processo.
O atual PGR, Paulo Gonet, defendeu a competência exclusiva do órgão ao se manifestar nos autos das ADPFs. Ele apontou que a Lei de Impeachment prevê um “rito procedimental incompatível com a Constituição Federal de 1988” e que os ministros do STF desempenham uma função contramajoritária com base nos “valores e princípios permanentes da Constituição” e não no “sentimento político dos eleitores”._
Pousada é condenada a indenizar cliente por reserva em site clonado
A 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal manteve a condenação de uma pousada e de uma instituição financeira ao pagamento a uma consumidora de R$ 5.057,50 por danos materiais e R$ 5 mil por danos morais. Ela foi vítima de uma fraude por meio de um site clonado.
Bruno Peres/Agência BrasilResolução que chancelou mudança do regulamento do Pix deveria ser mais clara ao definir os critérios para exclusão de chaves Pix
TJ-DF mantém condenação por fraude em reserva com pagamento via Pix
A autora da ação tentou fazer uma reserva em um site que acreditava ser o oficial da pousada. Durante o contato pelo aplicativo de mensagens com o número indicado na página, recebeu uma oferta de 15% de desconto caso o pagamento fosse feito por Pix. Depois de efetuar a transferência, a cliente recebeu o voucher de confirmação. Ao chegar ao local, no entanto, descobriu que não havia uma reserva em seu nome e que havia sido vítima de um golpe. O site da pousada não continha aviso sobre fraudes ou canais falsos de atendimento.
Em sua defesa, o estabelecimento alegou que informou os clientes sobre possíveis golpes e sustentou a culpa exclusiva de terceiros. A instituição financeira que autorizou a conta destinatária do Pix afirmou que o processo de abertura foi regular e que o dever de segurança foi observado. E o banco da consumidora argumentou que não houve falha em seu sistema, pois a própria cliente realizou a transferência voluntariamente.
Ao julgar os recursos, o colegiado entendeu que a pousada não fez o que precisava para proteger os consumidores. “O golpe perpetrado em seu nome decorre de falha na prestação do serviço, pois deixou de tomar as precauções necessárias para segurança e manutenção de canais e ambientes digitais colocados à disposição de seus clientes”, sublinhou o relator.
Os juízes também reconheceram a responsabilidade da instituição financeira que permitiu a abertura da conta utilizada pelos golpistas, sem observar o dever de vigilância imposto pela Resolução 4.753/2019 do Banco Central. Afastaram, contudo, a condenação do banco da consumidora, uma vez que a transação foi realizada pela própria cliente, sem falha no sistema de segurança da instituição. A decisão foi unânime. Com informações da assessoria de imprensa do TJ-DF._
o custo da falha Banco é condenado por causa de golpe telefônico contra correntista
A Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça estabelece que o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras. Portanto, a responsabilidade do banco é objetiva em relação aos danos causados por defeitos na prestação de serviços, independentemente da verificação de culpa.
Julgadora entendeu que instituição financeira falhou na guarda de informações sigilosas usadas pelos golpistas para roubar correntista
Juíza concluiu que banco falhou na guarda de informações sigilosas do cliente
Esse foi o entendimento da juíza Cristiane Farias Rodrigues dos Santos, da 9ª Vara Cível Federal de São Paulo, para condenar um banco a indenizar por danos morais um consumidor vítima de golpe.
Conforme os autos, o correntista recebeu uma ligação de um número telefônico da sua agência bancária. O interlocutor se identificou como seu gerente pessoal e lhe disse que teria de fazer alguns procedimentos de segurança no aplicativo do banco no seu celular.
O golpista pediu que o cliente baixasse outro aplicativo em seu aparelho e aceitasse o acesso remoto, o que foi feito. O contato telefônico durou algumas horas. No dia seguinte, o correntista foi à agência e soube que havia sido lesado em R$ 194 mil por meio de transferências via TED e Pix. Ele conseguiu a devolução de apenas R$ 26 mil.
O cliente sustentou que houve falha de segurança do banco na guarda dos seus dados. E também destacou que não conseguia fazer transações superiores a R$ 15 mil, mas os golpistas fizeram transferências com valor muito superior.
O banco, em sua defesa, alegou que se tratou de um golpe externo e que a culpa foi exclusiva da vítima, que admitiu ter baixado o aplicativo para acesso remoto e fornecido sua senha. Portanto, não teria havido falha no sistema de segurança da instituição.
Na decisão, a juíza apontou que a relação entre as partes é de consumo, conforme a Súmula 297 do STJ. Assim, a responsabilidade do banco independe de culpa.
“Verifica-se que fraudes ou roubos cometidos por terceiros em operações bancárias eletrônicas são riscos previsíveis e inerentes à atividade dos bancos, configurando fortuito interno. Assim, o simples fato de a fraude ter sido praticada por terceiros não afasta a responsabilidade da instituição financeira.”
Ela ressaltou que houve falha no dever de segurança do banco e que o golpe só foi bem-sucedido porque os criminosos tiveram acesso a informações sigilosas, como nomes de gerentes e o número de telefone da agência.
A juíza condenou o banco a restituir os valores subtraídos por meio da fraude e a indenizar o cliente em R$ 20 mil por danos morais. _
Julgamento sobre uberização marcará nova era nas relações laborais
Em setembro de 2023, uma decisão da 4ª Vara do Trabalho de São Paulo reconheceu a existência de vínculo de emprego de motoristas de aplicativo e condenou a Uber a assinar a carteira de trabalho de todos os trabalhadores da plataforma no país, além de pagar multa de R$ 1 bilhão por danos morais coletivos. Embora pudesse conter todos os contornos jurídicos que lhe conferiam legitimidade, a decisão caiu em segunda instância, 18 meses depois. Mas serviu para mostrar a dificuldade para se construir consenso sobre mais uma novidade jurídico-trabalhista: a natureza da relação de trabalho entre as plataformas digitais e os prestadores de serviço que as usam.
Àquela altura, os tribunais e varas do Trabalho se debruçavam sobre milhares de processos sobre esse conflito e as decisões mais dividiam do que pacificavam a discussão. Com acúmulo de derrotas na Justiça do Trabalho, as plataformas recorreram ao Supremo Tribunal Federal, que já havia aberto a porteira para reconhecer a legalidade das relações de trabalho fora das quatro linhas da CLT.
A Suprema Corte passou a admitir reclamações constitucionais movidas pelas empresas contra decisões até de primeira instância. O entendimento predominante no STF é de que o enquadramento de trabalhadores autônomos como celetistas, como na decisão da 4ª Vara de São Paulo, desrespeita precedentes do tribunal, como a licitude da terceirização e da contratação de profissionais na forma de pessoa jurídica. A Justiça do Trabalho, porém, argumenta que os precedentes evocados não têm relação direta com a controvérsia envolvendo os plataformizados. Os julgadores da Justiça do Trabalho se apegam à tese de que a análise fática dos casos concretos mostra a presença dos elementos caracterizadores da relação de emprego, como pessoalidade, onerosidade, habitualidade e subordinação.
Em 2023, a Uber ingressou com recurso no STF contra decisão da 8ª Turma do TST que reconheceu vínculo de emprego de um motorista. O Supremo, então, decidiu dar a palavra final sobre o conflito e reconheceu a sua repercussão geral (Tema 1.291). Naquele ano, mais de 17 mil processos desse tipo tramitavam na Justiça do Trabalho, segundo estimou a Procuradoria-Geral da República no parecer enviado ao Supremo em que se manifestou contrária ao vínculo de emprego dos motoristas de aplicativo.
Levantamento deste Anuário da Justiça, com dados do CNJ, mostra que os pedidos de reconhecimento de relação de emprego, assunto processual em que está inserida a maioria das demandas envolvendo os trabalhadores de plataformas, quase triplicaram em quatro anos. De 165,3 mil ações, em 2020, para 441,1 mil. Mais de 1,7 milhão de pessoas trabalhavam por meio de plataformas digitais em 2024, aumento de 25% em relação a 2022. Dados do IBGE revelam que o transporte de passageiros concentra a maior parcela desses trabalhadores (964 mil pessoas), seguidos pelos entregadores de comida e encomendas (485 mil) e pelos prestadores de serviços profissionais (294 mil).
página 26 - Anuário da Justiça do Trabalho 2025
Demandas sobre reconhecimento de relação de emprego quase triplicaram em quatro anos
O STF iniciou o julgamento sobre a uberização em outubro de 2025, unindo o recurso da Uber (RE 1.446.336), oriundo do TRT-1/RJ, e o da Rappi (RCL 64.018), contra decisão do TRT-3/MG que reconheceu vínculo de emprego de um entregador. O julgamento tende a ser um marco para o futuro do trabalho mediado por plataformas no Brasil e está pautado para dezembro de 2025. A definição sobre o vínculo também indicará os limites da atuação da Justiça do Trabalho, que pode ver afastada sua competência para julgar essas ações.
página 27 - Anuário da Justiça do Trabalho 2025
Transporte de passageiros concentra maior parcela de plataformizados, seguidos pelos entregadores de comida e encomendas
Para o ministro Flávio Dino, o desafio do STF é encontrar equilíbrio que assegure direitos sociais básicos aos trabalhadores de aplicativos sem comprometer a autonomia e a livre iniciativa. Ele defendeu uma “liberdade regrada”, em que o trabalho possa ocorrer fora da CLT, mas sem eliminar um patamar mínimo de proteção. No julgamento da ADI 7.852, que discute a constitucionalidade da lei que regulamenta o serviço de mototáxi em São Paulo, Dino disse não ser “admissível que, empresas operadoras de alta tecnologia comportem-se como senhores de escravos do século 18, lucrando com o trabalho alheio executado em um regime excludente de direitos básicos”.
Pesquisa Datafolha, encomendada pela Uber e divulgada pelo jornal Folha de S.Paulo de outubro de 2025, revela que seis a cada dez motoristas no Brasil preferem não ter vínculo formal de emprego. O levantamento, feito com 1.800 profissionais, aponta que flexibilidade e autonomia são os principais atrativos, mesmo diante da ausência de benefícios trabalhistas. A principal demanda da categoria em uma eventual regulamentação é o apoio à renovação de veículos. A principal aversão é à possibilidade de ter de pagar o INSS.
Na Justiça do Trabalho, a subordinação jurídica, vinculada à direção pessoal do empregador, vem sendo reinterpretada à luz da chamada subordinação algorítmica. Nessa perspectiva, o poder diretivo se manifesta não pela presença física de um superior, mas por meio de mecanismos digitais de controle: algoritmos que definem tarifas, distribuem corridas ou entregas, monitoram desempenho e impõem punições automáticas — práticas que, na visão de diversos juízes, configuram relação de trabalho típica.
No Senado, o presidente do TST, Vieira de Mello Filho, defendeu a regulamentação do trabalho por plataformas e alertou que esses profissionais não têm verdadeira autonomia, já que não definem seus contratantes nem o valor dos serviços. Também criticou a perda de garantias trabalhistas, como FGTS, 13º salário e previdência. “Quem vai pagar a Previdência? Quem vai ser responsável pelas gerações futuras?”, questionou.
A advogada Vólia Bomfim, desembargadora aposentada do TRT-1/RJ, defende um modelo intermediário, que reconheça a autonomia sem abrir mão de uma rede básica de proteção social.
JURISPRUDÊNCIA
UBERIZAÇÃO NO STF
NÃO RECONHECE O VÍNCULO
STF, 1ª Turma
Para a maioria da 1ª Turma do STF, motoristas de aplicativos e entregadores não têm relação de emprego com plataformas como Uber e iFood. Em dezembro de 2023, o colegiado cassou decisão do TRT-3/MG que reconheceu vínculo trabalhista de um motorista com a Cabify, sob a alegação de que a decisão contrariou a jurisprudência do STF sobre terceirização da atividade-fim. Relator do caso, Alexandre de Moraes destacou que a relação entre plataformas digitais e seus motoristas ou entregadores não configura vínculo empregatício automático, desde que respeitada a autonomia do trabalhador. Acompanharam o relator: Cármen Lúcia, Luiz Fux e Cristiano Zanin. Flávio Dino não votou, mas entende que, nesses casos, a Justiça do Trabalho analisa cada caso concreto, não a legalidade genérica da terceirização.
A 6ª Turma do TST reconheceu o vínculo de emprego de um motofretista de aplicativo, destacando que a subordinação pode ocorrer por meios telemáticos. A decisão explica que o algoritmo da plataforma organiza e dirige a prestação de serviços, configurando o poder de comando do empregador, mesmo que o trabalhador tenha flexibilidade de horários e possa recusar entregas. “É irrelevante, para a configuração da subordinação jurídica, que o trabalho realizado seja controlado ou supervisionado pela pessoa física do empregador ou de seus prepostos. Com a evolução
tecnológica e a possibilidade de realização do trabalho fora da sede do empregador, a CLT passou a prever expressamente a subordinação jurídica verificada por meios telemáticos ou informatizados de controle e supervisão”, diz o acórdão.
Processo analisado: RR 0010943-69.2022.5.03.0043 (TST, 6ª TURMA)
RECUSA DE CORRIDAS
RECONHECE O VÍNCULO
TST, 6ª Turma
A 6ª Turma do TST reconheceu o vínculo de um motorista de transporte por aplicativo. O colegiado reforçou que a possibilidade de recusar corridas não descaracteriza a subordinação, citando como analogia a previsão do trabalho intermitente (art. 452-A, parágrafo 3º, da CLT). “Não afasta a subordinação jurídica a possibilidade de o empregado recusar determinadas corridas, ou cancelar corridas inicialmente aceitas por ele por meio da plataforma digital. Afinal, o ordenamento jurídico vigente contém previsão expressa, direcionada ao trabalho intermitente (que é formalizado mediante relação de emprego), de que a recusa de determinado serviço não descaracteriza, por si só, a subordinação”, decidiu a turma.
Processo analisado: RR 0000459-86.2022.5.12.0061 (TST, 6ª TURMA)
ALGORITMOS
RECONHECE O VÍNCULO
TRT-2, 3ª Turma
A 3ª Turma do TRT da 2a Região (SP) acatou recurso de um motorista, afirmando que a empresa de aplicativo dita as regras e controla a prestação de serviços por meio de algoritmos que fiscalizam o trabalho de forma contundente, aplicando punições como suspensão e descadastramento, o que afasta a ideia de autonomia. “Embora a reclamada sustente ser mera detentora de plataforma digital e não fornecedora de serviços de transportes é ela quem dita as regras e controla a prestação de serviços por meio de algoritmos, os quais acabam fiscalizando de maneira ainda mais contundente e eficaz o labor prestado, de maneira que é inegável a efetividade e segurança da subordinação jurídica”, diz o acórdão, de relatoria do desembargador Paulo Eduardo Vieira de Oliveira.
Processo analisado: ROT 1001294-33.2023.5.02.0374 (TRT-2, 3ª TURMA)
CONFLITO DE COMPETÊNCIA
JUSTIÇA DO TRABALHO
TST, 1ª Turma
Embora não seja uma decisão de mérito, a 1ª Turma do TST reafirmou a competência da Justiça do Trabalho para julgar conflitos envolvendo suposta relação de emprego de trabalhadores de aplicativo. No caso concreto, a turma se manifestou no âmbito de um agravo interposto pela Uber em que contestava a competência da Justiça do Trabalho. “O pedido e a causa de pedir da parte autora são alicerçados no reconhecimento do vínculo empregatício, razão pela qual é da Justiça do Trabalho a competência para acolher ou rejeitar a pretensão. Se a pretensão for rejeitada o resultado será a improcedência da ação e não a declaração de incompetência material”, diz a ementa do acórdão.
Processos analisados: AG-RR 0010951-11.2023.5.03.0011 (TST, 1ª TURMA)
ANUÁRIO DA JUSTIÇA DO TRABALHO 2025
ISSN: 2238-9954
Número de páginas: 304
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Anunciaram no Anuário da Justiça do Trabalho 2025
Arruda Alvim & Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica
Imóvel de família com alto valor de mercado é impenhorável
Um imóvel de alto padrão ou de luxo é impenhorável se for o único bem e servir de moradia para a família do devedor, conforme a previsão do artigo 1º da Lei 8.009/1990.
FreepikDesembargadores da 12ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região entenderam que banco não deveria recorrer a citação por edital
Para STJ, autorizar a penhora do único imóvel da família, ainda que de alto padrão, leva a insegurança jurídica
A conclusão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que reformou um acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que havia autorizado a penhora de um imóvel na Barra da Tijuca, na capital fluminense.
O TJ-RJ entendeu que a lei tem como objetivo garantir a dignidade da pessoa humana, e não fazer do patrimônio de elevadíssimo valor do devedor algo intocável pelo credor.
“A Lei 8.009/1990 não tem como foco a inviolabilidade de imóvel de alto padrão, mas, sim, a garantia de que o seu proprietário, em virtude de dívida, permaneça residindo em local adequado a suprir as suas necessidades habituais de forma digna”, disse o acórdão.
Por considerar que o imóvel está em um dos locais mais valorizados do Brasil, o TJ-RJ autorizou a penhora e mandou garantir uma reserva suficiente para que o devedor possa comprar outro apartamento em local menos valorizado.
Sem distinção
Essa interpretação foi refutada por unanimidade de votos pela 3ª Turma do STJ. Relator do recurso especial ajuizado pelo devedor, o ministro Moura Ribeiro entendeu que a tese do TJ-RJ não encontra amparo na lei.
Em seu voto, ele destacou que, se o legislador quisesse, teria estabelecido critérios de valor, localização ou suntuosidade para autorizar a penhora de imóveis de devedores. Na lei não há qualquer distinção nesse sentido, no entanto.
“Permitir a penhora do bem de família com base em seu valor econômico seria introduzir um critério subjetivo e de grande insegurança jurídica, contrário ao espírito da lei”, concluiu o magistrado.
Moura Ribeiro destacou ainda que a solução intermediária do TJ-RJ de permitir a penhora, mas reservar um valor para o devedor comprar outro imóvel, afrontou diretamente o texto da lei e divergiu da jurisprudência do STJ._
TST consolida cultura de precedentes em busca de segurança jurídica
Pressionado tanto pelos números, que indicam processos trabalhistas em alta, quanto pelas críticas vindas de fora, principalmente do Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior do Trabalho colocou em marcha uma cruzada para consolidar a prática de observância e respeito dos precedentes no tribunal, com o objetivo de aumentar a efetividade das decisões e aumentar a segurança jurídica no mundo do trabalho.
A falta de observância da jurisprudência pelos juízes trabalhistas tem sido motivo de críticas severas por parte do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. O ministro tem destacado o número elevado de Reclamações (ações ajuizadas no STF para garantir a autoridade das decisões da corte) provenientes da Justiça do Trabalho. Ele mencionou, por exemplo, que em 2023, mais da metade das reclamações protocoladas no STF eram de Direito do Trabalho, o que, para ele, é reflexo de uma “visão distorcida” da Justiça do Trabalho.
“O incentivo e a consolidação de uma cultura de precedentes foram eleitos como um dos macro desafios da Estratégia Nacional do Poder Judiciário, como demonstra a Resolução 325/2020 do Conselho Nacional de Justiça”, disse o ministro Aloysio Corrêa da Veiga em seu discurso de posse para um mandato relâmpago na presidência da corte, de outubro de 2024 a setembro de 2025. O presidente destacou que tramitam na Justiça do Trabalho cinco milhões de processos e, “com a demanda recursal no TST dobrando a cada dez anos, a projeção será incalculável, caso não implementada uma profunda mudança de paradigma.”
Corrêa da Veiga apontou que o sistema recursal brasileiro é terreno fértil para divergências jurisprudenciais. “Perde-se muito tempo com o processamento de agravos – cerca de 80% do volume total de recursos em trâmite. Trata-se de disfunção a ser enfrentada que impõe ao jurisdicionado uma interminável via crucis recursal, algo inadmissível quando tratamos de direitos de natureza alimentar”, pontuou.
Segundo o ministro, o TST não deve trabalhar como terceira instância para processos que deveriam ser finalizados no segundo grau de jurisdição, sobretudo quando houver orientação já consolidada na corte. “Dos 70 mil recursos de revista recebidos anualmente, um percentual elevado se refere a temas que, embora pacificados internamente, ainda ensejam divergência entre os tribunais regionais do trabalho”, declarou. Destacou, ainda, que os 285 mil agravos de instrumento anuais representam a falência do sistema de jurisprudência persuasiva, “a qual não evita que discussões pacificadas, em toda Justiça do Trabalho, sejam prolongadas mediante a utilização de agravos de instrumento.”
Para enfrentar a crise, o ex-presidente da corte apresentou propostas de aprimoramento do regimento interno para estimular a consolidação da cultura de precedentes. Entre elas: estimular o uso de Incidentes de Recursos Repetitivos a partir da cooperação judiciária; facilitar a instauração de IRR, IRDR e IAC; simplificar o procedimento para produção de precedentes vinculantes; ampliar a filtragem prévia dos agravos de instrumento, manifestamente inadmissíveis; racionalizar, nos TRTs, o cabimento de agravos de instrumento quando a decisão recorrida estiver em conformidade com precedente vinculante.
Para colocar o sistema de precedentes em prática, foi criada a Secretaria-Geral de Gestão de Processos. Subordinada à Presidência, ela atua na gestão de processos, com o objetivo de aumentar a eficiência e produtividade do tribunal. Para tanto, cuidará da triagem, admissibilidade prévia dos recursos e identificação antecipada dos casos repetitivos ou de questões jurídicas controvertidas. A nova secretaria é integrada pelas secretarias de Admissibilidade Recursal e de Gestão de Precedentes e pela Assessoria de Apoio e Inovação Tecnológica.
Desde a criação da Secretaria de Gestão de Processos até setembro de 2025, apenas 60% dos agravos de instrumento recebidos foram distribuídos. Segundo o TST, o Regimento Interno do tribunal, em seu artigo 41, inciso LXI, autoriza o presidente a devolver ao tribunal de origem recursos fundados em controvérsia que já tenha sido submetida ao rito de julgamento de casos repetitivos.
Até setembro de 2025, 310 teses jurídicas vinculantes foram fixadas pelo TST. Entre elas, o Tema 220, que assegura o direito à manutenção de plano de saúde ao empregado afastado por doença ocupacional ou acidente de trabalho; o Tema 227, que diz que o direito ao aviso-prévio é irrenunciável pelo empregado; o Tema 228, que afirma que o tempo do aviso prévio, mesmo indenizado, conta-se para efeito da indenização adicional prevista; e o Tema 231, que diz que a perícia é obrigatória para a verificação de insalubridade.
Além disso, ficou fixado que é do empregador o ônus de comprovar que o empregado não satisfaz os requisitos indispensáveis para a concessão do vale-transporte ou não pretenda fazer uso do benefício (Tema 232), bem como que o empregado que se demite antes de complementar 12 meses de serviço tem direito a férias proporcionais (Tema 236). Entre as demais teses firmadas, há temas relacionados a horas extras, férias proporcionais, trabalho rural, abono pecuniário, FGTS, entre outros. Todas as teses podem ser verificadas no portal do TST.
página 21 - Anuário da Justiça do Trabalho 2025
Ministros entrevistados pelo Anuário da Justiça consideram positivo o fortalecimento do sistema de precedentes, especialmente por garantir a segurança jurídica e diminuir o acervo. “Nós tínhamos uma jurisprudência pacífica, mas como não era divulgada, o regional muitas vezes não sabia, muitos desembargadores desconheciam. Agora, não só conhecem como devem, obrigatoriamente, seguir essa orientação”, destacou o ministro Amaury Rodrigues. O ministro explica que, caso o regional não observe o precedente, a parte recorre ao presidente daquele tribunal. Este, por sua vez, devolve o processo para a turma para que ela faça o juízo de reconsideração.
O ministro Ives Gandra Filho lamenta a falta de disciplina judiciária e chama a atenção para o uso excessivo do distinguishing (técnica jurídica para afastar um precedente). “O que tem acontecido muito é que se usa o elemento da distinção, o chamado distinguishing. E se diz que, na verdade, a hipótese não é bem aquela do tema que foi estabelecido, fixado como jurisprudência passiva. A partir daí, tem que rediscutir toda a matéria. O que tem acontecido? O Supremo tem fixado temas de repercussão geral em matéria trabalhista. E o TST tem sido refratário a alguns desses temas, principalmente em matéria de terceirização”, disse. Ele pontua que essa situação “obrigou o Supremo a abrir novos temas para especificar melhor para que o TST cumpra as decisões” e que os regionais, muitas vezes, são refratários às decisões do TST. “Tanto que esse empenho do ministro Aloysio em reafirmar a jurisprudência, que já estava pacificada, foi exatamente para vincular os regionais”. Ele acredita que o sistema de precedentes leve a uma observância maior das decisões, que têm efeito vinculante.
Sobre a distinção, o ministro Amaury Rodrigues diz que não pode haver resistência injustificada por parte dos magistrados para aplicar uma decisão vinculante. “A disciplina judiciária exige que se cumpra o precedente mesmo que não goste dele. A distinção não pode ser desculpa para não aplicar o precedente.”
O ministro Evandro Valadão explica que com a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) e as mudanças introduzidas na CLT, houve redução temporária na litigiosidade, diante do temor em relação às tratativas desses novos temas. “Contudo, com o decorrer do tempo e a sua pacificação, a certeza jurídica posta pelas Cortes de Precedentes conferiu segurança aos advogados e às partes, no sentido de poderem acionar o Judiciário Trabalhista sem o temor de uma eventual condenação em honorários sucumbenciais”, explicou. “Portanto, mais do que sinalizar um problema, os dados reforçam a relevância institucional da Justiça do Trabalho, sua capacidade institucional de resposta, e apontam para a necessidade de avançarmos, ainda mais, em termos de aplicação da sistemática de precedentes vinculantes através dos IRRs do Tribunal Superior do Trabalho, também a título de exemplo e a fim de demonstrar a multifatorialidade de elementos quando a matéria envolve produção versus judicialização”, concluiu.
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Arruda Alvim & Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica
Aumento de casos de burnout e assédio desafia a Justiça do Trabalho
A Síndrome de Burnout, também conhecida como Síndrome do Esgotamento Profissional, é um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho crônico e desgastante. Reconhecida pela Organização Mundial da Saúde como uma doença relacionada às condições de trabalho, a síndrome transita hoje tanto na área médica quanto na legal.
O burnout é reconhecido pela Justiça do Trabalho brasileira como uma doença ocupacional, equiparada a acidente de trabalho. As decisões têm responsabilizado o empregador quando é comprovado o nexo causal entre a doença e as condições de trabalho. A responsabilidade da empresa geralmente se configura pela ausência de um meio ambiente de trabalho seguro e saudável, manifestada por jornadas de trabalho excessivas e sobrecarga de tarefas; cobrança de metas abusivas; assédio moral ou outras formas de pressão psicológica extrema.
Agrupados sob a denominação de “responsabilidade civil do empregador” na tabela de assuntos processuais do CNJ, todos estes temas que configuram ou contribuem para o burnout, somaram mais de 1,5 milhão de casos em 2024 e já aparecem em quinto lugar no ranking de maiores demandas da Justiça do Trabalho.
A visão de juízes consultados pelo Anuário da Justiça é de que há um duplo desafio no futuro próximo: o aumento de casos na área trabalhista, visto nos últimos anos, tem sido impulsionado por temas cada vez mais complexos, que exigem maior tempo de análise de provas e que ainda não têm jurisprudência uniforme.
O nome formal do burnout (síndrome do esgotamento profissional) ajuda a entender suas causas e sintomas principais: motivado por excesso de trabalho ou situações de trabalho desgastante, que demandam muita competitividade ou responsabilidade (e por isso, muito comum em profissões com demandas, metas e responsabilidades constantes), o distúrbio emocional gera uma série de sintomas como exaustão extrema, estresse e esgotamento físico. Se não tratado, pode evoluir para um quadro de depressão clínica.
O debate sobre burnout passou à ordem do dia nas empresas com a primeira norma, editada pelo Ministério do Trabalho e do Emprego, a tratar do tema no país. Um novo trecho da Norma Regulamentadora 1 (NR-1), principal dispositivo sobre segurança no ambiente de trabalho, deve entrar em vigor cobrando maior atenção de empregadores com “fatores de risco psicossociais relacionados ao trabalho”, colocando a questão como semelhante a um risco químico ou biológico. A proposta, apresentada em 2024, deveria entrar em vigor em 2025, mas sua vigência foi adiada para 2026.
Os tribunais ainda lutam para entender o tema: entre 2024 e 2025, o Tribunal Superior do Trabalho publicou 89 acórdãos que tratam de afastamento por este motivo. Em setembro de 2025, a Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-II) determinou o retorno de um caso para a primeira instância e a reabertura de prazo para a juntada de provas — a decisão não colocou em xeque, em nenhum momento, o diagnóstico da síndrome. “Ressalte-se que a síndrome de burnout decorre de um esgotamento profissional, tendo o então reclamante sustentado ter sofrido cobranças indevidas e assédio moral como indicativo da doença e da existência de nexo causal”, escreveu o relator, ministro José Dezena da Silva.
Em outro caso, envolvendo um hospital e uma médica, a 6ª Turma concluiu que a responsabilidade civil da empregadora pode decorrer da simples relação de causalidade entre o trabalho e o burnout, independentemente da comprovação de dolo ou negligência. No acórdão, foi mantido o direito a indenização por danos morais e materiais à ex-empregada que contraiu covid-19 no ambiente de trabalho no início da pandemia, em 2020, fato que agravou o burnout.
Nos tribunais regionais, o tema também é uma realidade concreta. “Muitas vezes, a percepção do trabalhador é de que o tempo de trabalho e o tempo de não trabalho se confundem. Quando esse desgaste se torna evidente, surgem as ações judiciais”, diz Ana Paula Lockmann, presidente do TRT15, com sede em Campinas (SP). Ela continua: “Hoje, aplicativos de mensagens e outras ferramentas tecnológicas diluíram as fronteiras entre o horário de expediente e o tempo de descanso. A expectativa de disponibilidade constante, seja para responder a mensagens de trabalho à noite, em fins de semana ou nas férias, coloca em pauta debates sobre horas extras, adicional noturno, intervalo intrajornada e situações de sobreaviso.”
Ricardo Hofmeister, presidente do TRT da 4ª Região (RS), lembra que o burnout normalmente vem aliado a questões igualmente complexas sob responsabilidade das cortes. “O tribunal tem se deparado com temas ligados ao assédio sexual e ao assédio moral nas relações de trabalho, bem como com acidentes e doenças ocupacionais. São temas especialmente caros, porque transcendem a esfera de proteção patrimonial, violando a integridade física e a integridade psicológica de trabalhadores e trabalhadoras”, explicou.
Preocupação similar é vista na 9ª Região, no Paraná. “As ações trabalhistas estão cada vez mais difíceis e complexas de serem analisadas, porque a matéria é muito mais delicada hoje em dia do que era no passado”, disse o presidente Célio Horst Waldraff. “É muito peculiar da época que estamos vivendo.”
Para o desembargador, a complexidade nesses temas se dá porque todos os casos envolvem questões fáticas específicas. “É preciso saber o fato por trás disso — se este fato está por trás do poder disciplinar e diretivo do empregador, ou se está se exagerando no exercício desse poder e se comete assédio por parte de quem emprega.”
As denúncias de assédio moral e sexual em ambiente de trabalho já têm jurisprudência e material crítico mais sólido que em relação à síndrome de esgotamento profissional. O TST definiu, ainda em 2013, a competência da Justiça do Trabalho para o tema, por meio da Súmula 392, além de ter duas cartilhas sobre o tema (os TRTs também publicam conteúdo próprio sobre a questão).
JURISPRUDÊNCIA
DANO MORAL
Afastamento por Síndrome de Burnout pode motivar indenização por dano moral?
A favor do empregador: —
A favor do trabalhador: TST, TRT-2/SP e TRT-15/Campinas, SP
De acordo com tribunais como o TRT-15, com sede em Campinas (SP), a indenização é cabível quando o ambiente de trabalho contribui para o desenvolvimento da doença, ainda que não tenha deflagrado e agravado a moléstia psiquiátrica de forma exclusiva. A 2ª Região também decidiu que “o fato de adquirir a doença ocupacional na empresa, por conta do labor executado, por si só, gera dano à personalidade, o que enseja reparo indenizatório”. O TST já definiu que recursos contra o pagamento de indenizações por síndrome de burnout, quando fundamentadas e razoáveis em seu valor, não têm transcendência para serem analisadas pela corte.
Uso de técnicas motivacionais, como “gritos de guerra”, podem ser considerados assédio moral?
A favor do empregador: —
A favor do trabalhador: TST, TRT-4/RS e TRT-9/PR
O TST tem decisões reiteradas de que a sujeição do trabalhador a essas formas de programa motivacional viola os direitos da personalidade, ensejando, inclusive, condenação ao pagamento de indenização por danos morais. Ao analisar o caso envolvendo uma rede de supermercados que tinha uma cultura de cânticos que deveriam ser entoados em conjunto — em certas ocasiões até em frente a clientes — os ministros entenderam que a caracterização de assédio moral só existe quando a participação é obrigatória no ritual. Quando isso fica comprovado, é também cabível a indenização individual por danos morais.
Expor publicamente faltas e atrasos dos empregados pode ser configurado como assédio moral?
A favor do empregador: —
A favor do trabalhador: TST
A 2ª Turma do TST condenou a pagar indenização por assédio moral organizacional empresa que publicou em quadros a quantidade de trabalhadores atrasados ou que faltaram. Segundo o colegiado, a conduta é conhecida como “gestão por estresse” e impede o bem-estar individual no ambiente de trabalho. De acordo com a relatora, Maria Helena Mallmann, “o procedimento adotado pela reclamada acaba não observando o princípio da dignidade da pessoa humana, a inviolabilidade psíquica e do bem-estar individual dentro do ambiente de trabalho, o qual deve proporcionar tranquilidade e conforto psíquico ao empregado para o exercício do seu labor”.
Processo analisado: RR-11480-43.2019.5.15.0138
ASSÉDIO SEXUAL
Palavra da vítima tem peso especial em acusações de assédio sexual?
A favor do empregador: TRT-8/PA-AP
A favor do trabalhador: TST, TRT-4/RS e TRT-6/PE
Protocolo do STJ estabelece que a palavra da vítima tem especial relevância em delitos sexuais, desde que esteja em consonância com outras provas. A Justiça do Trabalho concorda. “O Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero fundamenta novas premissas para a análise de casos de assédio sexual no trabalho, permitindo conferir peso diferenciado ao testemunho da vítima. Assim, quando o contexto probatório não evidencia o contrário, a palavra da mulher que sofre o assédio sexual se constitui em elemento suficiente para o reconhecimento dos fatos”, escreveu a desembargadora Rejane Souza Pedra, em decisão pelo TRT-4/RS.
É possível garantir estabilidade provisória mesmo que o afastamento não tenha sido superior a 15 dias e nem tenha havido o pagamento de auxílio-doença acidentário?
A favor do empregador: —
A favor do trabalhador: TST; TRT-4/RS; TRT-7/CE; TRT-18/GO
A 3ª Turma do TRT-18, de Goiás, entendeu que o afastamento superior a 15 dias e o recebimento do auxílio-doença acidentário não são requisitos indispensáveis quando o nexo de causalidade ou concausalidade entre a doença e o trabalho é reconhecido. O colegiado sustentou a sua decisão sobre a Súmula 378, II, do TST. Na corte superior, os ministros tendem a reverter julgamentos de segundo grau quando tal posicionamento não é seguido pelos desembargadores que analisam o caso.
E-mails são prova válida para ação monitória, decide TJ-MT
A ação monitória não exige apresentação de título executivo formal, bastando conjunto documental, como e-mails, boletos e notas fiscais.
Com esse entendimento, a 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso manteve a decisão de primeira instância que permitiu que uma dívida de R$ 354 mil fosse cobrada de uma distribuidora de produtos hospitalares.
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TJ-MT reforçou jurisprudência no sentido de que e-mails podem ser aceitos como provas em ações monitórias
O caso teve origem em uma ação monitória, procedimento judicial que tem como objetivo transformar documentos escritos em título executivo de dívida, permitindo ao credor executar o devedor.
A empresa fornecedora, autora da ação, buscava o direito de cobrar o pagamento dos produtos que forneceu, comprovando a transação por meio de notas fiscais, boletos, registros de protesto e trocas de e-mails.
A distribuidora alegava que a cobrança era indevida e sustentou que não havia prova de entrega dos produtos. Argumentou ainda que a planilha apresentada pela credora não detalhava adequadamente os cálculos da dívida.
Pendência demonstrada
Ao analisar o recurso da devedora, a relatora, juíza convocada Tatiane Colombo, ressaltou que a ação monitória não exige a apresentação de título executivo formal, bastando que o conjunto documental permita ao juiz formar “um juízo de verossimilhança” sobre o crédito. Segundo ela, as notas fiscais, boletos e e-mails de cobrança juntados aos autos demonstraram a relação comercial entre as partes e a falta de pagamento.
Um dos pontos decisivos foi justamente um e-mail enviado por uma funcionária da própria devedora, no qual reconhece as dívidas com a fornecedora. Para a juíza, a prova “fortalece a convicção acerca do efetivo fornecimento dos produtos e do inadimplemento da obrigação”.
A decisão, unânime, reforça entendimento consolidado na jurisprudência de que e-mails e comunicações eletrônicas podem ser aceitos como prova escrita válida em ações de cobrança, desde que mostrem de forma clara a origem da dívida e o reconhecimento da obrigação. Com informações da assessoria de imprensa do TJ-MT._
Exclusividade da PGR gera críticas, mas há consenso sobre mudança na Lei de Impeachment
Constitucionalistas entrevistados pela revista eletrônica Consultor Jurídico avaliam que a Lei de Impeachment (Lei 1.079/1950) precisa de revisão para dar segurança institucional ao Supremo Tribunal Federal.
Os juristas divergem, contudo, sobre o trecho da decisão do ministro Gilmar Mendes que dá competência exclusiva à Procuradoria-Geral da República para denunciar integrantes do STF por crimes de responsabilidade. A medida cautelar, publicada nesta quarta-feira (3/12), ainda será analisada pelo Plenário do Supremo, em julgamento virtual de 12 a 19 deste mês.
Luiz Silveira / STF
Constitucionalistas criticaram exclusividade da PGR, mas concordam que Lei de Impeachment precisa mudar
A decisão de Gilmar, que é contestada pelo Senado e pela Advocacia-Geral da União, modifica a interpretação de vários trechos da Lei de Impeachment. O ministro defende a suspensão da expressão “a todo cidadão” do artigo 41 da Lei 1.079/1950, que permite a qualquer pessoa pedir o afastamento de membros da corte.
Parte dos especialistas consultados pela ConJur se opõe a essa restrição. Eles argumentam que a exclusividade da PGR enfraquece a legitimidade democrática do Supremo em relação ao povo, que é a fonte de onde emana o poder, segundo a Constituição.
“Eu não vejo, em princípio, nenhum motivo constitucional para reduzir essa competência ao PGR. O impeachment é um procedimento democrático em que há uma ampla possibilidade de se solicitar. Mas é certo que a Lei de Impeachment precisa ser examinada para se adequar à Constituição”, sintetiza o constitucionalista Pedro Serrano, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
“Ao prever que qualquer cidadão pode denunciar, esse artigo da Lei de Impeachment vai ao encontro do Estado Democrático de Direito. Então me parece que é plenamente constitucional”, avalia a advogada Vera Chemim, especialista em Direito Constitucional e mestre em Administração Pública pela FGV de São Paulo.
Para outros estudiosos, porém, a possibilidade de que ministros do STF sejam alvos de pedidos de impedimento sem lastro técnico abre margem para perseguições políticas.
“A Lei do Impeachment deve ter seu sentido continuamente atualizado, de modo a ser lida à luz da realidade brasileira contemporânea, marcada pela emergência de impulsos de populismo autoritário que transformaram o Supremo Tribunal Federal em bode expiatório dos problemas nacionais, convertendo-o em um inimigo público ficcional”, aponta Georges Abboud, também professor da PUC-SP.
Trâmite no Senado
Apesar da controvérsia sobre a competência da PGR, outros pontos da decisão de Gilmar têm apoio amplo entre os constitucionalistas. O principal deles é o que passa a exigir maioria qualificada de dois terços do Senado para que a denúncia contra um ministro do STF seja recebida e, posteriormente, julgada procedente pelo plenário da Casa. Hoje, as duas etapas exigem apenas maioria simples — mais da metade dos presentes à sessão — como preveem os artigos 47 e 54 da lei.
Os especialistas apontam, também, que Gilmar acerta em afastar interpretações que permitem punir os magistrados pelo mérito de suas decisões. Segundo o artigo 39 da lei, um ministro do STF pode sofrer impeachment por “ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo”, ou por “proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções”.
“Esses dispositivos são subjetivos e estão sujeitos a ampla discricionariedade. Ao permitir um impeachment de ministro do STF sob essas premissas, a lei abre margem para que esse instrumento seja politizado para atacar o conteúdo material de uma decisão do Supremo”, avalia Ingrid Dantas, doutora em Direito pela Universidade de Brasília e professora de Direito Constitucional.
Contexto político
A discussão sobre a atualização da Lei do Impeachment não é inédita. O STF já havia revisado pontos da norma na ADPF 378, julgada em dezembro de 2015, que tratou do rito aplicável ao Presidente da República. O STF definiu, na ocasião, que o Senado teria competência para instaurar ou não o processo de impedimento, depois da autorização da Câmara, e que a admissibilidade exigia apenas maioria simples — dispositivo que agora foi derrubado por Gilmar.
Ao tomar a decisão atual, no âmbito das ADPFs 1.259 e 1.260, Gilmar avaliou que o aval de apresentação de denúncia “a todo cidadão” viabiliza a criação de um ambiente propício à “proliferação de denúncias motivadas por interesses político-partidários, desprovidas do rigor técnico necessário para uma acusação legítima”.
“Esse cenário expõe os membros dos Tribunais Superiores a constantes riscos de serem alvos de processos de impeachment baseados em discordâncias políticas ou em divergências interpretativas legítimas, convertendo o legítimo instrumento do impeachment em um meio de propagação do arbítrio pela intimidação e retaliação política”, justificou o ministro na decisão.
O panorama exposto por Gilmar tem lastro nos movimentos atuais do Congresso. Aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) assumem abertamente o objetivo de ampliar a base da oposição no Senado, nas eleições de 2026, para formar quórum suficiente e pautar o impeachment de ministros do STF, em especial de Alexandre de Moraes.
Para Gilmar, a mera ameaça de impeachment pode funcionar como um “mecanismo eficaz para constranger membros do Poder Judiciário”. Portanto, a restrição da competência ao PGR é um “filtro rigoroso” para garantir a seriedade e o rigor técnico do processo.
O atual PGR, Paulo Gonet, defendeu a competência exclusiva do órgão ao se manifestar nos autos das ADPFs. Ele apontou que a Lei de Impeachment prevê um “rito procedimental incompatível com a Constituição Federal de 1988” e que os ministros do STF desempenham uma função contramajoritária com base nos “valores e princípios permanentes da Constituição” e não no “sentimento político dos eleitores”._
Pousada é condenada a indenizar cliente por reserva em site clonado
A 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal manteve a condenação de uma pousada e de uma instituição financeira ao pagamento a uma consumidora de R$ 5.057,50 por danos materiais e R$ 5 mil por danos morais. Ela foi vítima de uma fraude por meio de um site clonado.
Bruno Peres/Agência BrasilResolução que chancelou mudança do regulamento do Pix deveria ser mais clara ao definir os critérios para exclusão de chaves Pix
TJ-DF mantém condenação por fraude em reserva com pagamento via Pix
A autora da ação tentou fazer uma reserva em um site que acreditava ser o oficial da pousada. Durante o contato pelo aplicativo de mensagens com o número indicado na página, recebeu uma oferta de 15% de desconto caso o pagamento fosse feito por Pix. Depois de efetuar a transferência, a cliente recebeu o voucher de confirmação. Ao chegar ao local, no entanto, descobriu que não havia uma reserva em seu nome e que havia sido vítima de um golpe. O site da pousada não continha aviso sobre fraudes ou canais falsos de atendimento.
Em sua defesa, o estabelecimento alegou que informou os clientes sobre possíveis golpes e sustentou a culpa exclusiva de terceiros. A instituição financeira que autorizou a conta destinatária do Pix afirmou que o processo de abertura foi regular e que o dever de segurança foi observado. E o banco da consumidora argumentou que não houve falha em seu sistema, pois a própria cliente realizou a transferência voluntariamente.
Ao julgar os recursos, o colegiado entendeu que a pousada não fez o que precisava para proteger os consumidores. “O golpe perpetrado em seu nome decorre de falha na prestação do serviço, pois deixou de tomar as precauções necessárias para segurança e manutenção de canais e ambientes digitais colocados à disposição de seus clientes”, sublinhou o relator.
Os juízes também reconheceram a responsabilidade da instituição financeira que permitiu a abertura da conta utilizada pelos golpistas, sem observar o dever de vigilância imposto pela Resolução 4.753/2019 do Banco Central. Afastaram, contudo, a condenação do banco da consumidora, uma vez que a transação foi realizada pela própria cliente, sem falha no sistema de segurança da instituição. A decisão foi unânime. Com informações da assessoria de imprensa do TJ-DF._
o custo da falha Banco é condenado por causa de golpe telefônico contra correntista
A Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça estabelece que o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras. Portanto, a responsabilidade do banco é objetiva em relação aos danos causados por defeitos na prestação de serviços, independentemente da verificação de culpa.
Julgadora entendeu que instituição financeira falhou na guarda de informações sigilosas usadas pelos golpistas para roubar correntista
Juíza concluiu que banco falhou na guarda de informações sigilosas do cliente
Esse foi o entendimento da juíza Cristiane Farias Rodrigues dos Santos, da 9ª Vara Cível Federal de São Paulo, para condenar um banco a indenizar por danos morais um consumidor vítima de golpe.
Conforme os autos, o correntista recebeu uma ligação de um número telefônico da sua agência bancária. O interlocutor se identificou como seu gerente pessoal e lhe disse que teria de fazer alguns procedimentos de segurança no aplicativo do banco no seu celular.
O golpista pediu que o cliente baixasse outro aplicativo em seu aparelho e aceitasse o acesso remoto, o que foi feito. O contato telefônico durou algumas horas. No dia seguinte, o correntista foi à agência e soube que havia sido lesado em R$ 194 mil por meio de transferências via TED e Pix. Ele conseguiu a devolução de apenas R$ 26 mil.
O cliente sustentou que houve falha de segurança do banco na guarda dos seus dados. E também destacou que não conseguia fazer transações superiores a R$ 15 mil, mas os golpistas fizeram transferências com valor muito superior.
O banco, em sua defesa, alegou que se tratou de um golpe externo e que a culpa foi exclusiva da vítima, que admitiu ter baixado o aplicativo para acesso remoto e fornecido sua senha. Portanto, não teria havido falha no sistema de segurança da instituição.
Na decisão, a juíza apontou que a relação entre as partes é de consumo, conforme a Súmula 297 do STJ. Assim, a responsabilidade do banco independe de culpa.
“Verifica-se que fraudes ou roubos cometidos por terceiros em operações bancárias eletrônicas são riscos previsíveis e inerentes à atividade dos bancos, configurando fortuito interno. Assim, o simples fato de a fraude ter sido praticada por terceiros não afasta a responsabilidade da instituição financeira.”
Ela ressaltou que houve falha no dever de segurança do banco e que o golpe só foi bem-sucedido porque os criminosos tiveram acesso a informações sigilosas, como nomes de gerentes e o número de telefone da agência.
A juíza condenou o banco a restituir os valores subtraídos por meio da fraude e a indenizar o cliente em R$ 20 mil por danos morais. _
Julgamento sobre uberização marcará nova era nas relações laborais
Em setembro de 2023, uma decisão da 4ª Vara do Trabalho de São Paulo reconheceu a existência de vínculo de emprego de motoristas de aplicativo e condenou a Uber a assinar a carteira de trabalho de todos os trabalhadores da plataforma no país, além de pagar multa de R$ 1 bilhão por danos morais coletivos. Embora pudesse conter todos os contornos jurídicos que lhe conferiam legitimidade, a decisão caiu em segunda instância, 18 meses depois. Mas serviu para mostrar a dificuldade para se construir consenso sobre mais uma novidade jurídico-trabalhista: a natureza da relação de trabalho entre as plataformas digitais e os prestadores de serviço que as usam.
Àquela altura, os tribunais e varas do Trabalho se debruçavam sobre milhares de processos sobre esse conflito e as decisões mais dividiam do que pacificavam a discussão. Com acúmulo de derrotas na Justiça do Trabalho, as plataformas recorreram ao Supremo Tribunal Federal, que já havia aberto a porteira para reconhecer a legalidade das relações de trabalho fora das quatro linhas da CLT.
A Suprema Corte passou a admitir reclamações constitucionais movidas pelas empresas contra decisões até de primeira instância. O entendimento predominante no STF é de que o enquadramento de trabalhadores autônomos como celetistas, como na decisão da 4ª Vara de São Paulo, desrespeita precedentes do tribunal, como a licitude da terceirização e da contratação de profissionais na forma de pessoa jurídica. A Justiça do Trabalho, porém, argumenta que os precedentes evocados não têm relação direta com a controvérsia envolvendo os plataformizados. Os julgadores da Justiça do Trabalho se apegam à tese de que a análise fática dos casos concretos mostra a presença dos elementos caracterizadores da relação de emprego, como pessoalidade, onerosidade, habitualidade e subordinação.
Em 2023, a Uber ingressou com recurso no STF contra decisão da 8ª Turma do TST que reconheceu vínculo de emprego de um motorista. O Supremo, então, decidiu dar a palavra final sobre o conflito e reconheceu a sua repercussão geral (Tema 1.291). Naquele ano, mais de 17 mil processos desse tipo tramitavam na Justiça do Trabalho, segundo estimou a Procuradoria-Geral da República no parecer enviado ao Supremo em que se manifestou contrária ao vínculo de emprego dos motoristas de aplicativo.
Levantamento deste Anuário da Justiça, com dados do CNJ, mostra que os pedidos de reconhecimento de relação de emprego, assunto processual em que está inserida a maioria das demandas envolvendo os trabalhadores de plataformas, quase triplicaram em quatro anos. De 165,3 mil ações, em 2020, para 441,1 mil. Mais de 1,7 milhão de pessoas trabalhavam por meio de plataformas digitais em 2024, aumento de 25% em relação a 2022. Dados do IBGE revelam que o transporte de passageiros concentra a maior parcela desses trabalhadores (964 mil pessoas), seguidos pelos entregadores de comida e encomendas (485 mil) e pelos prestadores de serviços profissionais (294 mil).
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Demandas sobre reconhecimento de relação de emprego quase triplicaram em quatro anos
O STF iniciou o julgamento sobre a uberização em outubro de 2025, unindo o recurso da Uber (RE 1.446.336), oriundo do TRT-1/RJ, e o da Rappi (RCL 64.018), contra decisão do TRT-3/MG que reconheceu vínculo de emprego de um entregador. O julgamento tende a ser um marco para o futuro do trabalho mediado por plataformas no Brasil e está pautado para dezembro de 2025. A definição sobre o vínculo também indicará os limites da atuação da Justiça do Trabalho, que pode ver afastada sua competência para julgar essas ações.
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Transporte de passageiros concentra maior parcela de plataformizados, seguidos pelos entregadores de comida e encomendas
Para o ministro Flávio Dino, o desafio do STF é encontrar equilíbrio que assegure direitos sociais básicos aos trabalhadores de aplicativos sem comprometer a autonomia e a livre iniciativa. Ele defendeu uma “liberdade regrada”, em que o trabalho possa ocorrer fora da CLT, mas sem eliminar um patamar mínimo de proteção. No julgamento da ADI 7.852, que discute a constitucionalidade da lei que regulamenta o serviço de mototáxi em São Paulo, Dino disse não ser “admissível que, empresas operadoras de alta tecnologia comportem-se como senhores de escravos do século 18, lucrando com o trabalho alheio executado em um regime excludente de direitos básicos”.
Pesquisa Datafolha, encomendada pela Uber e divulgada pelo jornal Folha de S.Paulo de outubro de 2025, revela que seis a cada dez motoristas no Brasil preferem não ter vínculo formal de emprego. O levantamento, feito com 1.800 profissionais, aponta que flexibilidade e autonomia são os principais atrativos, mesmo diante da ausência de benefícios trabalhistas. A principal demanda da categoria em uma eventual regulamentação é o apoio à renovação de veículos. A principal aversão é à possibilidade de ter de pagar o INSS.
Na Justiça do Trabalho, a subordinação jurídica, vinculada à direção pessoal do empregador, vem sendo reinterpretada à luz da chamada subordinação algorítmica. Nessa perspectiva, o poder diretivo se manifesta não pela presença física de um superior, mas por meio de mecanismos digitais de controle: algoritmos que definem tarifas, distribuem corridas ou entregas, monitoram desempenho e impõem punições automáticas — práticas que, na visão de diversos juízes, configuram relação de trabalho típica.
No Senado, o presidente do TST, Vieira de Mello Filho, defendeu a regulamentação do trabalho por plataformas e alertou que esses profissionais não têm verdadeira autonomia, já que não definem seus contratantes nem o valor dos serviços. Também criticou a perda de garantias trabalhistas, como FGTS, 13º salário e previdência. “Quem vai pagar a Previdência? Quem vai ser responsável pelas gerações futuras?”, questionou.
A advogada Vólia Bomfim, desembargadora aposentada do TRT-1/RJ, defende um modelo intermediário, que reconheça a autonomia sem abrir mão de uma rede básica de proteção social.
JURISPRUDÊNCIA
UBERIZAÇÃO NO STF
NÃO RECONHECE O VÍNCULO
STF, 1ª Turma
Para a maioria da 1ª Turma do STF, motoristas de aplicativos e entregadores não têm relação de emprego com plataformas como Uber e iFood. Em dezembro de 2023, o colegiado cassou decisão do TRT-3/MG que reconheceu vínculo trabalhista de um motorista com a Cabify, sob a alegação de que a decisão contrariou a jurisprudência do STF sobre terceirização da atividade-fim. Relator do caso, Alexandre de Moraes destacou que a relação entre plataformas digitais e seus motoristas ou entregadores não configura vínculo empregatício automático, desde que respeitada a autonomia do trabalhador. Acompanharam o relator: Cármen Lúcia, Luiz Fux e Cristiano Zanin. Flávio Dino não votou, mas entende que, nesses casos, a Justiça do Trabalho analisa cada caso concreto, não a legalidade genérica da terceirização.
A 6ª Turma do TST reconheceu o vínculo de emprego de um motofretista de aplicativo, destacando que a subordinação pode ocorrer por meios telemáticos. A decisão explica que o algoritmo da plataforma organiza e dirige a prestação de serviços, configurando o poder de comando do empregador, mesmo que o trabalhador tenha flexibilidade de horários e possa recusar entregas. “É irrelevante, para a configuração da subordinação jurídica, que o trabalho realizado seja controlado ou supervisionado pela pessoa física do empregador ou de seus prepostos. Com a evolução
tecnológica e a possibilidade de realização do trabalho fora da sede do empregador, a CLT passou a prever expressamente a subordinação jurídica verificada por meios telemáticos ou informatizados de controle e supervisão”, diz o acórdão.
Processo analisado: RR 0010943-69.2022.5.03.0043 (TST, 6ª TURMA)
RECUSA DE CORRIDAS
RECONHECE O VÍNCULO
TST, 6ª Turma
A 6ª Turma do TST reconheceu o vínculo de um motorista de transporte por aplicativo. O colegiado reforçou que a possibilidade de recusar corridas não descaracteriza a subordinação, citando como analogia a previsão do trabalho intermitente (art. 452-A, parágrafo 3º, da CLT). “Não afasta a subordinação jurídica a possibilidade de o empregado recusar determinadas corridas, ou cancelar corridas inicialmente aceitas por ele por meio da plataforma digital. Afinal, o ordenamento jurídico vigente contém previsão expressa, direcionada ao trabalho intermitente (que é formalizado mediante relação de emprego), de que a recusa de determinado serviço não descaracteriza, por si só, a subordinação”, decidiu a turma.
Processo analisado: RR 0000459-86.2022.5.12.0061 (TST, 6ª TURMA)
ALGORITMOS
RECONHECE O VÍNCULO
TRT-2, 3ª Turma
A 3ª Turma do TRT da 2a Região (SP) acatou recurso de um motorista, afirmando que a empresa de aplicativo dita as regras e controla a prestação de serviços por meio de algoritmos que fiscalizam o trabalho de forma contundente, aplicando punições como suspensão e descadastramento, o que afasta a ideia de autonomia. “Embora a reclamada sustente ser mera detentora de plataforma digital e não fornecedora de serviços de transportes é ela quem dita as regras e controla a prestação de serviços por meio de algoritmos, os quais acabam fiscalizando de maneira ainda mais contundente e eficaz o labor prestado, de maneira que é inegável a efetividade e segurança da subordinação jurídica”, diz o acórdão, de relatoria do desembargador Paulo Eduardo Vieira de Oliveira.
Processo analisado: ROT 1001294-33.2023.5.02.0374 (TRT-2, 3ª TURMA)
CONFLITO DE COMPETÊNCIA
JUSTIÇA DO TRABALHO
TST, 1ª Turma
Embora não seja uma decisão de mérito, a 1ª Turma do TST reafirmou a competência da Justiça do Trabalho para julgar conflitos envolvendo suposta relação de emprego de trabalhadores de aplicativo. No caso concreto, a turma se manifestou no âmbito de um agravo interposto pela Uber em que contestava a competência da Justiça do Trabalho. “O pedido e a causa de pedir da parte autora são alicerçados no reconhecimento do vínculo empregatício, razão pela qual é da Justiça do Trabalho a competência para acolher ou rejeitar a pretensão. Se a pretensão for rejeitada o resultado será a improcedência da ação e não a declaração de incompetência material”, diz a ementa do acórdão.
Processos analisados: AG-RR 0010951-11.2023.5.03.0011 (TST, 1ª TURMA)
ANUÁRIO DA JUSTIÇA DO TRABALHO 2025
ISSN: 2238-9954
Número de páginas: 304
Versão impressa: R$ 50, à venda na Livraria ConJur
Versão digital: gratuita, disponível no site anuario.conjur.com.br ou pelo app Anuário da Justiça
Anunciaram no Anuário da Justiça do Trabalho 2025
Arruda Alvim & Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica
Imóvel de família com alto valor de mercado é impenhorável
Um imóvel de alto padrão ou de luxo é impenhorável se for o único bem e servir de moradia para a família do devedor, conforme a previsão do artigo 1º da Lei 8.009/1990.
FreepikDesembargadores da 12ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região entenderam que banco não deveria recorrer a citação por edital
Para STJ, autorizar a penhora do único imóvel da família, ainda que de alto padrão, leva a insegurança jurídica
A conclusão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que reformou um acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que havia autorizado a penhora de um imóvel na Barra da Tijuca, na capital fluminense.
O TJ-RJ entendeu que a lei tem como objetivo garantir a dignidade da pessoa humana, e não fazer do patrimônio de elevadíssimo valor do devedor algo intocável pelo credor.
“A Lei 8.009/1990 não tem como foco a inviolabilidade de imóvel de alto padrão, mas, sim, a garantia de que o seu proprietário, em virtude de dívida, permaneça residindo em local adequado a suprir as suas necessidades habituais de forma digna”, disse o acórdão.
Por considerar que o imóvel está em um dos locais mais valorizados do Brasil, o TJ-RJ autorizou a penhora e mandou garantir uma reserva suficiente para que o devedor possa comprar outro apartamento em local menos valorizado.
Sem distinção
Essa interpretação foi refutada por unanimidade de votos pela 3ª Turma do STJ. Relator do recurso especial ajuizado pelo devedor, o ministro Moura Ribeiro entendeu que a tese do TJ-RJ não encontra amparo na lei.
Em seu voto, ele destacou que, se o legislador quisesse, teria estabelecido critérios de valor, localização ou suntuosidade para autorizar a penhora de imóveis de devedores. Na lei não há qualquer distinção nesse sentido, no entanto.
“Permitir a penhora do bem de família com base em seu valor econômico seria introduzir um critério subjetivo e de grande insegurança jurídica, contrário ao espírito da lei”, concluiu o magistrado.
Moura Ribeiro destacou ainda que a solução intermediária do TJ-RJ de permitir a penhora, mas reservar um valor para o devedor comprar outro imóvel, afrontou diretamente o texto da lei e divergiu da jurisprudência do STJ._
TST consolida cultura de precedentes em busca de segurança jurídica
Pressionado tanto pelos números, que indicam processos trabalhistas em alta, quanto pelas críticas vindas de fora, principalmente do Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior do Trabalho colocou em marcha uma cruzada para consolidar a prática de observância e respeito dos precedentes no tribunal, com o objetivo de aumentar a efetividade das decisões e aumentar a segurança jurídica no mundo do trabalho.
A falta de observância da jurisprudência pelos juízes trabalhistas tem sido motivo de críticas severas por parte do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. O ministro tem destacado o número elevado de Reclamações (ações ajuizadas no STF para garantir a autoridade das decisões da corte) provenientes da Justiça do Trabalho. Ele mencionou, por exemplo, que em 2023, mais da metade das reclamações protocoladas no STF eram de Direito do Trabalho, o que, para ele, é reflexo de uma “visão distorcida” da Justiça do Trabalho.
“O incentivo e a consolidação de uma cultura de precedentes foram eleitos como um dos macro desafios da Estratégia Nacional do Poder Judiciário, como demonstra a Resolução 325/2020 do Conselho Nacional de Justiça”, disse o ministro Aloysio Corrêa da Veiga em seu discurso de posse para um mandato relâmpago na presidência da corte, de outubro de 2024 a setembro de 2025. O presidente destacou que tramitam na Justiça do Trabalho cinco milhões de processos e, “com a demanda recursal no TST dobrando a cada dez anos, a projeção será incalculável, caso não implementada uma profunda mudança de paradigma.”
Corrêa da Veiga apontou que o sistema recursal brasileiro é terreno fértil para divergências jurisprudenciais. “Perde-se muito tempo com o processamento de agravos – cerca de 80% do volume total de recursos em trâmite. Trata-se de disfunção a ser enfrentada que impõe ao jurisdicionado uma interminável via crucis recursal, algo inadmissível quando tratamos de direitos de natureza alimentar”, pontuou.
Segundo o ministro, o TST não deve trabalhar como terceira instância para processos que deveriam ser finalizados no segundo grau de jurisdição, sobretudo quando houver orientação já consolidada na corte. “Dos 70 mil recursos de revista recebidos anualmente, um percentual elevado se refere a temas que, embora pacificados internamente, ainda ensejam divergência entre os tribunais regionais do trabalho”, declarou. Destacou, ainda, que os 285 mil agravos de instrumento anuais representam a falência do sistema de jurisprudência persuasiva, “a qual não evita que discussões pacificadas, em toda Justiça do Trabalho, sejam prolongadas mediante a utilização de agravos de instrumento.”
Para enfrentar a crise, o ex-presidente da corte apresentou propostas de aprimoramento do regimento interno para estimular a consolidação da cultura de precedentes. Entre elas: estimular o uso de Incidentes de Recursos Repetitivos a partir da cooperação judiciária; facilitar a instauração de IRR, IRDR e IAC; simplificar o procedimento para produção de precedentes vinculantes; ampliar a filtragem prévia dos agravos de instrumento, manifestamente inadmissíveis; racionalizar, nos TRTs, o cabimento de agravos de instrumento quando a decisão recorrida estiver em conformidade com precedente vinculante.
Para colocar o sistema de precedentes em prática, foi criada a Secretaria-Geral de Gestão de Processos. Subordinada à Presidência, ela atua na gestão de processos, com o objetivo de aumentar a eficiência e produtividade do tribunal. Para tanto, cuidará da triagem, admissibilidade prévia dos recursos e identificação antecipada dos casos repetitivos ou de questões jurídicas controvertidas. A nova secretaria é integrada pelas secretarias de Admissibilidade Recursal e de Gestão de Precedentes e pela Assessoria de Apoio e Inovação Tecnológica.
Desde a criação da Secretaria de Gestão de Processos até setembro de 2025, apenas 60% dos agravos de instrumento recebidos foram distribuídos. Segundo o TST, o Regimento Interno do tribunal, em seu artigo 41, inciso LXI, autoriza o presidente a devolver ao tribunal de origem recursos fundados em controvérsia que já tenha sido submetida ao rito de julgamento de casos repetitivos.
Até setembro de 2025, 310 teses jurídicas vinculantes foram fixadas pelo TST. Entre elas, o Tema 220, que assegura o direito à manutenção de plano de saúde ao empregado afastado por doença ocupacional ou acidente de trabalho; o Tema 227, que diz que o direito ao aviso-prévio é irrenunciável pelo empregado; o Tema 228, que afirma que o tempo do aviso prévio, mesmo indenizado, conta-se para efeito da indenização adicional prevista; e o Tema 231, que diz que a perícia é obrigatória para a verificação de insalubridade.
Além disso, ficou fixado que é do empregador o ônus de comprovar que o empregado não satisfaz os requisitos indispensáveis para a concessão do vale-transporte ou não pretenda fazer uso do benefício (Tema 232), bem como que o empregado que se demite antes de complementar 12 meses de serviço tem direito a férias proporcionais (Tema 236). Entre as demais teses firmadas, há temas relacionados a horas extras, férias proporcionais, trabalho rural, abono pecuniário, FGTS, entre outros. Todas as teses podem ser verificadas no portal do TST.
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Ministros entrevistados pelo Anuário da Justiça consideram positivo o fortalecimento do sistema de precedentes, especialmente por garantir a segurança jurídica e diminuir o acervo. “Nós tínhamos uma jurisprudência pacífica, mas como não era divulgada, o regional muitas vezes não sabia, muitos desembargadores desconheciam. Agora, não só conhecem como devem, obrigatoriamente, seguir essa orientação”, destacou o ministro Amaury Rodrigues. O ministro explica que, caso o regional não observe o precedente, a parte recorre ao presidente daquele tribunal. Este, por sua vez, devolve o processo para a turma para que ela faça o juízo de reconsideração.
O ministro Ives Gandra Filho lamenta a falta de disciplina judiciária e chama a atenção para o uso excessivo do distinguishing (técnica jurídica para afastar um precedente). “O que tem acontecido muito é que se usa o elemento da distinção, o chamado distinguishing. E se diz que, na verdade, a hipótese não é bem aquela do tema que foi estabelecido, fixado como jurisprudência passiva. A partir daí, tem que rediscutir toda a matéria. O que tem acontecido? O Supremo tem fixado temas de repercussão geral em matéria trabalhista. E o TST tem sido refratário a alguns desses temas, principalmente em matéria de terceirização”, disse. Ele pontua que essa situação “obrigou o Supremo a abrir novos temas para especificar melhor para que o TST cumpra as decisões” e que os regionais, muitas vezes, são refratários às decisões do TST. “Tanto que esse empenho do ministro Aloysio em reafirmar a jurisprudência, que já estava pacificada, foi exatamente para vincular os regionais”. Ele acredita que o sistema de precedentes leve a uma observância maior das decisões, que têm efeito vinculante.
Sobre a distinção, o ministro Amaury Rodrigues diz que não pode haver resistência injustificada por parte dos magistrados para aplicar uma decisão vinculante. “A disciplina judiciária exige que se cumpra o precedente mesmo que não goste dele. A distinção não pode ser desculpa para não aplicar o precedente.”
O ministro Evandro Valadão explica que com a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) e as mudanças introduzidas na CLT, houve redução temporária na litigiosidade, diante do temor em relação às tratativas desses novos temas. “Contudo, com o decorrer do tempo e a sua pacificação, a certeza jurídica posta pelas Cortes de Precedentes conferiu segurança aos advogados e às partes, no sentido de poderem acionar o Judiciário Trabalhista sem o temor de uma eventual condenação em honorários sucumbenciais”, explicou. “Portanto, mais do que sinalizar um problema, os dados reforçam a relevância institucional da Justiça do Trabalho, sua capacidade institucional de resposta, e apontam para a necessidade de avançarmos, ainda mais, em termos de aplicação da sistemática de precedentes vinculantes através dos IRRs do Tribunal Superior do Trabalho, também a título de exemplo e a fim de demonstrar a multifatorialidade de elementos quando a matéria envolve produção versus judicialização”, concluiu.
ANUÁRIO DA JUSTIÇA DO TRABALHO 2025
ISSN: 2238-9954
Número de páginas: 304
Versão impressa: R$ 50, à venda na Livraria ConJur
Versão digital: gratuita, disponível no site anuario.conjur.com.br ou pelo app Anuário da Justiça
Anunciaram no Anuário da Justiça do Trabalho 2025
Arruda Alvim & Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica